A cabeleira de Beethoven
(A Marcantonio)
Wellington Trotta
O peso da vida recai sobre ombros métricos.
Beethoven expressa nossas angústias em versos
De uma melodia universal sem par, nos seus.
A diferença de um bigode para uma cabeleira,
É que esta demonstra um vigor leonino,
Enquanto aquele um ornamento ressentido.
Mais uma vez a música se sobressai à filosofia.
A sétima sinfonia desperta-nos para uma dança
Cujo primeiro movimento tem lentos passos
De um bailado reflexivo sob sons campestres,
Contrário da quinta sinfonia pela explosão de sentidos.
Profeta, pronuncia um novo mundo, solapando des-harmonias.
Filósofo, porque reflexivamente remete-nos ao eu
Sem despojá-lo de sua originalidade política.
A cabeleira de Beethoven é um desleixo qualquer,
Um bigode, e bem feito, é a perda da espontaneidade,
Requinte desnecessário de quem toma a essência pelo acidente.
A cabeleira é a solidez pesada da terceira sinfonia.
Nela o maestro rompe músicossocialmente com padrões
Em que a reflexão só pertencia à poesia e à pintura.
Beethoven transporta-nos do som ao conceito.
Aponta para novas etapas da harmonia que surda,
É ouvida na nona mais, absurdamente.
A cabeleira de Beethoven esmaga o quotidiano.
Beethoven é a sua própria cabeleira juvenil,
Embora o tempo a tenha consumido, como sempre o faz,
A quarta sinfonia como alegria da liberdade
Convida-nos ao canto da ciranda como superação.
Mais uma vez o poeta-filósofo da música alenta
Nossas almas com suas dores sem o ressentimento
Do sofrimento que enrijece as convicções,
Beethoven é sua própria segunda sinfonia,
Nela há jovialidade, um misto ardente
De tempestade-ímpeto devastador
Onde a melodia é a síntese do verso-forma.
Beethoven é melodiosidade vivificada na surdez
Pela majestade dos seus quartetos cuja liberdade,
Majestaticamente irmana-se à igualdade:
É a música sob préstimos revolucionários.