sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Surdez do esquecimento

Surdez do esquecimento
Wellington Trotta 

Naquela tarde guardei os minutos que anunciavam tua presença,
Subi as escadas correndo para prostar-me diante de tua imagem,
Quando, para meu desespero, estavas em um pássaro cinzento,
Longe do alcance de minhas mãos que, lavadas, tocariam as tuas.

Escutei muitos sons parecendo vozes perdidas em meus ouvidos,
Tudo sem conexão, sem sentido, sem a menor relação com vivido.
Parecia que as folhas dos livros estavam em branco nulo,
Concentrei-me em Hegel como refúgio de minerva.

Eu só queria que estivesses ao meu lado
Como forma de perdoar a vida
Pelas batalhas perdidas noite e dia.
Eu só queria sentir-me oprimido pelo seu odor.

Eu só queria não-ser para ser em ti,
Flutuando sobre as ondas dos teus cabelos,
Mergulhado na imensidão dos teus desejos.
Apenas gostaria de ser nada para ser algo: em ti.

Tu não estavas,
Eu somente só,
Pesado pelo fardo
De uma dor encobrida.

Tinha perdido a semana te aguardando,
Antes tivesse lido para ter te esquecido,
Ao menos seria justo com minha iniquidade,
Fiel a mediocridade que santifica minha alma.

Ou a minha alma personifica a mediocridade?
Ou quieto devo permanecer para não ser imprudente?
Assim a Beleza não conhecerá o infortúnio
De sorrir para ser simpática.

Desprezado com gentileza pelo segredo que nutro
Todos os dias que ouço tua imagem,
Pela saudade que sinto de tua distância,
Parto para a surdez do esquecimento.

Desci as escadas firmemente aos olhos alheios,
Mas cambaleando entre o real e a realidade,
Pedindo a minha memória sofrida,
Ao menos um gesto de honestidade para com o destino.

A solidão é a riqueza
Quando não se tem nada.
Pelo menos povoa
O vazio, quando não se ouve as musas.

Pela primeira vez

Pela primeira vez
 Wellington Trotta

Quando te vi pela primeira vez,
Foi como se tivesse compreendido tudo:
Cada sílaba, cada palavra, cada frase,
Encadeando ideias absolutas.

Quando te ouvi pela primeira vez,
Senti vibrar em meu pensamento
Formas ideais, absolutizando,
Suavemente, o meu olhar.

Quando conversei contigo, pela primeira vez,
Deixei que tua voz tocasse minha pele,
Vibrando cada poro dos meus sentidos,
Dançando ao som do teu sorriso.

Quando te vi pela primeira vez,
Senti a imensidão de cada som
Que saia de tua boca,
Dominando minha atenção.

Quando te ouvi pela primeira vez,
Um conceito se criou nos meus olhos,
Passando somente a enxergar a reflexão
Dos teus lábios dominadores.

Quando conversei contigo, pela primeira vez,
Fui pegado por imagens perfumadas
Pelo som do mar desta noite,
Fincando tua lembrança nesta folha

Quando te vi pela primeira vez,
Foi como se tivesse nascido pela primeira vez.
Quando te ouvi pela primeira vez,
Foi como se tivesse ouvido uma sinfonia pela primeira vez.
Quando conversei contigo pela primeira vez,
Foi como se tivesse falado com a Beleza, pela primeira vez.

Mas tudo ficou:
Escuro,
Mudo,
Surdo.

Tudo foi pela última vez,
Graças aos deuses!
Sem paixão,
Apenas silêncio,
Somente na noite,
Em sua suave solidão.
Quem sabe? Eu não sei.



quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Infinito

Infinito


Wellington Trotta

O que é o infinito? Uma abstração?
Ou uma metáfora que resolve o limitado destino
humano circunscrito no espaço?
O que é o infinito? Um ilimitado, ou quem sabe
um sentido de vazio flutuando no tempo
indeterminadamente como ser-aí?
O que é o infinito? Uma especulação,
atividade necessitante do intelecto?
Ou o infinito é uma condição de
paixão...
... razão...
... emoção...
... percepção...
... inquietação?

O infinito é uma invenção do intelecto
para perpetuar os desejos no quando,
enquanto a eternidade é poética.
lembrança desejante no tempo.
Se na vida só existem instantes,
não havendo dias, horas ou minutos,
mas somente segundos,
esses segundos devem ser vividos
eternamente no prazer envolvido,
mesmo que acabe seguidamente.
O infinito é profunda subjetividade,
puro pensar como imenso desejo
num perder sem fim.
Infinito é o parar no tempo sem gravidade,
volitando em vórtices de emoções
como ecos da paixão.

Se o infinito é subjetividade como condição,
sinto minha infinitude imóvel, extensa-permanência
tomada pela imagem do nada.
O meu infinito é a subordinação
de pensar sem perceber o espaço
na eterna temporalidade da memória.
Por isso o infinito é a melodia do incessantemente.


quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Caminho que se segue

Caminho que se segue

Wellington Trotta
Quando criança pensava em ser soldado, via na guerra,
na luta, a presença da força a serviço do tudo.
Jovem, prometi ser filósofo, sonhava com transformações,
mudanças em esperanças a partir de ideais.
No caminho que sigo, na maturidade, torno-me poeta,
acredito no poder da harmonia em cada verso que fale,
que reflita carícias e gozos arrebatadores.

Na pretensão de ser poeta nasceu um outro ser,
Que pensa e guerreia contra forças do destino,
contra o tempo que tira da vida o sentido de esperança
através da presença da realidade.
Realidade que corrói as estruturas pelas quais somos,
e pelas quais vivemos e morremos no quotidiano,
no interior de nós mesmos.

Alcançando a velhice, lembrando do tempo,
terei recordações tristes, alegres, selvagens,
idealistas, quietas, sinceras, boas.
Só que algumas insistentemente presentes e profundas,
ao mesmo instante que devoradoras, necessitantes
de uma permanência dentro da vida eterna,
assim como você.


Em você


Em você
Wellington Trotta

Gostaria de velejar sob seus olhos,
voar sobre as ondas do seu riso,
caminhar sobre seu corpo,
beber o perfume dos seus lábios,
abraçar o encanto de sua pele,
sentir a pressão de sua respiração,
prender-me, por inteiro, ao seu suor.
Pensar no som do seu olhar...
no sorriso do seu andar...
na elegância de suas mãos...
na suavidade do seu rosto...
na leveza do seu corpo:
impõe a mim um ato de celebração.
Por isso peço e só posso solicitar perdão
à sua piedade pelo que sou,
e pelo que ainda não sou,
mas que posso ser, ao menos,
caso sua generosidade permita,



sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Falando de mim

Falando de mim

Wellington Trotta
Sua voz pediu para que eu falasse de mim mesmo,
o que não é fácil, o que também não é difícil,
apenas surrealista, falar para alguém do que  em si
não percebe o que verdadeiramente seja ou é.
Você solicitou um dever psicanalítico, o que é bom,
mas que pode ser dúbio, difuso, confuso
e porque não mentiroso, aparente, sórdido.
Falar de mim para eu mesmo quando escrevo
constitui um ato de catarse, de pura emoção,
de um jogo em que forças antagônicas lutam surdamente,
de uma associação de interesses, sombras pairando sobre a realidade
 contradita, perdida com todo esse processo fora de si.
Falar de mim para os seus olhos que lêem e, portanto
comentar minhas frases é redundante,
isso já é feito exaustivamente pelo meu sofrimento,
pela minha luta em demonstrar o que sinto,
e como minto em não poder dizer tudo
o que não logicamente sinto.
 Sinto tanto que minto em não dizer palavras antigas,
 verdade, porém sentidas.
Falar de mim mesmo hoje é uma mentira, sofisma
que se elabora por substituir linguagem lógica.
Lógica, que lógica? Aquela do Aristóteles?
Isso não é uma fantasia para ser combatida
com uma outra do mesmo calibre.
A lógica aristotélica é uma oposição a Platão,
e eu sou uma oposição permanente a Aristóteles
porque apreendo Platão: o delírio como intuição
 navegando nas asas do mito, do irreal para dar conta do real,
do meu real fantasioso, o misteriosamente em mim mesmo.
Você pede para falar de algo que compreende
e intui pela inteligência que possui,
só se esquece, ou pelo menos não se lembra,
 exposição do beijo, o abraço apertado,
o tempo parado, as luzes esquecidas, o espetáculo dois a sós
 num mundo vazio para si de poucas emoções.
Pede que eu fale de mim como ato impiedoso
que devora os sentidos do bom senso, da razão.
Você implora minha razão, insisto, já lhe disse:
 não sou aristotélico, sou mito!
Sou construção permanentemente de mim mesmo,
por isso não posso de mim mesmo se quer falar.
Sou como a filosofia, uma luta de antíteses,
luta, puramente luta, puramente conflito,
ascese, visão do que hoje não é e amanhã não será,
que depois poderá ser, se for o que se pensa.
Não falo de mim porque sou muito pouco,
falo de você porque sou apenas um ponto,
no universo do seu eu, do que realmente é.
Se quero ser poeta só posso ler beleza,
se minha lente é o belo platônico só posso falar,
cantar perfeição, se só posso falar de perfeição,
 só falo, penso, canto, respiro, bebo você, só você.
Falar de mim diante de você é sacrilégio,
pecado que os deuses não nos ouçam,
pois a ira do Olímpio é uma tempestade insidiosa.
Sua lógica, sua razão: belas;
só que não menos confusas que o meu delírio,
 mesmo sendo pobre de rima, dedico
aos seus meigos olhos, que se não querem os meus,
por favor, fuja. Fuja silenciosamente, mas fuja.
Fuja sem piedade e seja feliz, apenas feliz.


Poesia: alma infinita

Poesia: alma infinita
Wellington Trotta
A poesia é alma que baila sobre a vida infinita,
que necessita de forma para ser precisa,
e ser exata é uma medida quanti-qualitativa
que se materializa em sonhos, gestos, palavras,
sorrisos e um entregar-se sem medida.

A poesia é sempre um sentimento extremo, radical,
eternamente como o olhar de uma mulher apaixonada:
esconde o sentimento, mas não consegue viver fora dele.
Um poema é um ato de celebração da poesia,
a encarnação dos desejos contidos no limite da pele.

A poesia necessita de transpiração intensamente viva,
já que o poeta é um delirante de inspiração,
pois vive sufocado pelo que vê, sente, pensa e toca.
Um poeta, sadiamente se enche de doença da alma,
por isso é perseguido pelas imagens de sua existência.

Um poeta é sempre lúcido em seus devaneios;
profeta: antecede o real no ideal de seu hálito,
captando a essencialidade de tudo que o cerca,
e como está sempre cercado de tudo,
seleciona,  apaixonadamente, pela força da inspiração.

Se a poesia é abstrata e o poeta sua ligação com o mundo,
o poema é a  concretude do espiritual solto no ar.
Se a poesia é beleza intocável, o poema é o som do belo,
entoando hinos ofegantes a musa,
certa da inspiração-transpirante de pensamentos.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Tortura

Tortura

 Wellington Trotta
Tortura é uma palavra de origem latina,
vem de tortura,ae , ação de torcer que provoca
dor aguda sentida no corpo ou na alma,
por múltiplas razões – das simples às complexas,
envolvendo profundamente os transtornos do ser
em sua angustiante solidão existencial.

Tortura é uma ação impossibilitante de reação,
destroçando qualquer defesa do torturado agonizante.
A tortura corrói as estruturas sem destruir
o tecido do sentimento do  moribundo, isso,
claro, se o poeta não for só amante,
mas amado além do instante.

O poeta torturado é aquele cuja musa silencia
na profundeza ausente de seus encantos,
a perda da fonte sagrada de inspiração delirante.
Poeta e tortura caminham paralelamente,
embora a poesia nem sempre nasça, formosa,
dos dias ensolarados.

Eu preciso de sua respiração
em letras de  forma,
mesmo que seja um adeus.

Sob as ondas do mar

Sob a ondas do mar
 Wellington Trotta
Sob as ondas do mar eu bebi o seu olhar
Risonho em forma de gostas prateadas,
Alegremente desenhadas pelo sorriso
Que saía dos seus lábios.

Sob as ondas do mar senti seu odor brilhar
Inebriando os meus sentidos, desarticulando,
Impiedosamente, o meu frágil corpo trêmulo,
Impaciente e tímido, suando lacrimosamente.

Sob as ondas do mar o meu coração parou,
Por segundos seguidos, sufocado em seus braços,
Confessava a perda, instantaneamente da noção
Do espaço, uma vez que o tempo sumira completamente.

Sob as ondas do mar, por instante, fiquei cego,
Objetos sumiram dos meus olhos umedecidos terrivelmente,
Faltava luz. Mas eis que minha LUNA presente,
Iluminou minhas mãos sobre a maciez de sua pele.

Sob as ondas do mar sucumbi mortalmente
Prostrado à beleza de minha LUNA: alegre,
Sorridente, bela como a canção dos oceanos
Soprando em meus ouvidos sinfonicamente.

Sob as ondas do mar fiquei só com a esperada partida,
Triste ao mesmo tempo portentosamente feliz
Pelos raios luminosos que minha LUNA inundou
Cada canto do meu entorno.

Sob as ondas do mar olhei para o céu cintilante,
E meio a tudo estava a milenar lua, iluminando
O quotidiano notívago medíocre dos homens.
Eu feliz, tenho minha LUNA brunindo meus sentimentos.

Sob as ondas do mar, só, ainda ouço sua voz
Dançando as meus ouvidos, generosamente suave,
Obrigando um silêncio sepulcral ao mar que parou,
Invejosamente para ouvir minha LUNA cantar.
Minha LUNA é como pássaro: voa soberanamente
Minha LUNA é uma deusa que se fez mulher.
Minha LUNA é mulher porque em si e para si é deusa.
Minha LUNA vai além de si como flor: desabrocha como rocha
Minha LUNA é um monumento à felicidade: permanece
Quando tudo passa, efemeramente.

Tenho medo de dormir porque vou sonhar e
Liberar forças imaginárias mescladas,
Sofrivelmente a falsas realidades.
Minha LUNA dorme, enquanto fico de
Vigília a guardar o meu real concreto
Sob fortes emoções lembradas ao som das ondas do mar.




Previsto

Previsto
 Wellington Trotta
Aquele beijo atrevido já era previsto,
o imprevisto é que me contive ao perfume
de sua pele, macia e sorridente. 

O imprevisto foi sua passividade,
nem ao menos um olhar reprovador,
um trincar de dentes... Ou um sorriso.

De cada passo nas ruas
eu pedia suas mãos que levassem
o meu espírito ao seu corpo embriagador

De cada sonho naquela noite
insisti para que você sentasse sobre meu peito,
prendendo minha voz em seus lábios.

Mas o que pude fazer foram esses versos,
pobres, mas o suficiente para dizer:
feliz daquele que lhe tem nos braços.

Feliz talvez seja eu,
pois posso guardar no tempo
aquela lembrança de sua distância.




terça-feira, 12 de outubro de 2010

A flor que idealizei

A flor que idealizei

Wellington Trotta

Eu vi a primavera se desfolhando como outono.
Senti cada pétala se desfazendo perante olhos
Insensíveis e incapazes de reverter o fenômeno.
Não houve um domínio sobre a natureza:
Apenas pujança do espetáculo movimentando.

A flor que idealizei se desintegrou,
Virou um nada que passou como antes.
Sem ter percebido, a flor não era flor
Porque o medo engoliu o olfato
E a vida continuou buscando amor.

Senti um enorme desejo em me desfazer. Mas por quê?
Porque a dor dilacerou os olhos desejantes
Com todo o seu elenco de altivo sarcasmo,
Picando os meus sentimentos alimentados
Pela ilusão da imagem que se pretendia ser real.

Chorei sem lágrimas como lobo da estepe,
Farejando o que tinha para continuar vivendo,
Mesmo que uma vida andante sem bússola.
Mas a pergunta insiste: quem sabe o caminho?
Somente o destino conhece a beleza do improviso.

Como um diálogo de Platão, conclui sem respostas,
Entrei na dialética do acontecimento primaveril
E descobri, impiedosamente, para minha auto-estima,
Que o desejo ao passar para o plano do necessário
Não pertence à dimensão dos lutadores sem armas.

Guardei o lápis por não conseguir terminar este poema,
Essa não é arma de vencedores no amor.







 

Colunas

Colunas
Wellington Trotta
Por alguns instantes senti a vida
Saindo do seu delicado corpo,
Petrificando minhas pálpebras,
Isolando-as deste obscuro mundo.

Suas pernas, como duas colunas gregas,
Sustentavam o templo dedicado à Beleza,
Pousando sobre minha vontade de viver
A cada segundo de uma vida infinita.

Suas pernas transpiravam a transcendência
De uma harmonia vista nos seios de Afrodite,
Despertando todas as manhãs sob o sol
Longe de um Olímpio vazio por sua fuga.

Naquele instante senti tristeza e felicidade.
Feliz pela poesia que sugava, lentamente.
Triste pela despedida que o seu vestido impôs,
Guardando, pudicamente, as paralelas do amor.

Você partiu sorrindo, suavemente,
Deixando que cada passo falasse
O quanto à vida deve ser tomada
Pelos que podem beber o prazer.

Eu apenas fechei o livro sem letras,
Cerrando os olhos e elucubrando
Sobre a necessidade de ser meu herói,
Removendo os empecilhos que nos separam.

Mas como posso se sou mortal e você deusa?
Como posso se sou finito e você eterna?
Como, se sou fraco e você a expressão da vontade?
Como, se não-sou, e você por ser poesia É, simplesmente?!

Suas pernas transpiravam poemas de amor,
Desejosas de uma força indômita,
De uma coragem selvagem,
E não de quem faz reflexões, por ofício.

Reflexões, puras reflexões sem alguma vitalidade,
Apenas para o futuro do esquecimento.