sábado, 12 de março de 2011

Que fim tem uma ação amorosa?

Que fim tem uma ação amorosa?
Wellington Trotta

Por que não diz que se ama de vez?
Que mal há numa verdade tão simples?
Que fim tem uma ação amorosa?
Será biológica ou uma chama divina?

A minha amada devo dizer que a amo,
Sem levar em conta seu fim,
Ele já está posto em um pressuposto:
Amo, devo expressar essa necessidade.

Se amo e escondo é um crime,
A punição é a perda da autenticidade.
Sensação que se tem é o dito de pronto,
Assim a missão é cumprida, quem sabe?


quarta-feira, 9 de março de 2011

Roucamente

Roucamente
Wellington Trotta 

Percebi que, pelo passar das horas, seu sorriso exalava
uma oração aos meus olhos perplexos pela luminosidade.
A música entoada pelo seu brilho ensurdecia minha visão e
calava o meu olhar extasiado por absorver tanta vida.
Estranho sentimento de perda seus lábios me inspiravam
através de sua voz, roucamente distante.


α ... Ω




Sábado


Sábado

Wellington Trotta

Graças a deus hoje é segunda-feira,
Até sexta estou livre de lembranças.
Hoje é segunda e já temo o sábado
Onde sua presença é certa.

Hoje, segunda, nela me divido em muitos
Como mestre sem cátedra, banhado
Por muitos olhares devastadores
Não como o de sábado, mas também terríveis.

O de sábado é a ausência de sua ausência,
Ao contrário dos dias úteis da semana,
Repletos de permanência pela curiosidade.
Sábado e segunda são atravessados pelo domingo.

Nesse dia o silêncio é sepulcral, sem corpo.
Sou invadido pelo desejo de nele mergulhar
Na necessidade de deixar segunda nascer.
São olhares antagônicos que me comprimem.

Um ausente por descuido meu, displicência,
Outros por exigências das necessidades.
Estes, suaves, até amorosos em alguns casos,
Aquele a terrível insistência do tudo.

Hoje é domingo e a solidão é bela,
Nela me comprazo como preciso,
Sou livre porque penso e ajo solto.
Por isso não a temo, a venero.

Solidão é um verdadeiro estado embriagador
De múltiplos sentidos para o espírito,
Condição da matéria-prima para a criação,
Nela o pensamento encontra sua vida.

Solidão como morte é o sábado: esperança
De uma carícia perdida na vida solitária.
Solidão como esperança está na segunda:
São os nãos dos jovens que desejam um tipo de sim.

Sábado o pensamento angustiado,
Domingo sua liberdade,
Segunda sua efetividade.
Tudo é vida se for sentida.

Sábado é como o tormento de Prometeu
O dia é dilaceramento do fígado pela lembrança,
A noite é o tormento pela sua regeneração.
Sábado sou um Prometeu acorrentado.

Domingo sou o pássaro Fênix quando renasço,
Liberto das correntes da lembrança, voando
Na solidão do infinito de puras ideias,
Conjecturas perfurando rochedos recorrentes.

Segunda sou apenas um pobre bípede paradoxal:
 Ouvido por uns e ignorado por muitos.
A juventude precisa de si mesma, de sua tristeza
Para ser sua experiência como vida.

Sexta é o prelúdio do vazio,
Sábado é o crepúsculo do vácuo
Domingo é a agitação da solidão,
Segunda é o silencio de minhas palavras.







domingo, 6 de março de 2011

Impressões de Guernica

Impressões de Guernica

Wellington Trotta
A destruição se abateu furiosamente
Como um furacão de artefatos metálicos,
Onde David perdeu para Golias, de fato.
Guernica é a história real sobre o mítico relato .

Crueldade de fora com mãos de dentro,
Tortura de um ideal que sofre, horrivelmente.
Odores do sangue correndo pelas ruas
De transeuntes atônitos, juntando seus pedaços.

Guernica é o quadro da crueldade que a tela
Do artista registra curiosamente bela.
É a natureza da arte: desvelar o real
Sem interferir no seu destino.

O sofrimento de Guernica é a tolice antitética
Em opor liberdade à igualdade!
Justificar a superioridade de uns sobre outros.
Guernica é a dor humana fora dos seus limites.

Mas será que há limite à dor humana?
A história é a ilimitude desse tormento,
Marca, qual relógio, o sofrimento
Dessa ação aguda-desumana.

A própria expressão de dor do cavalo,
Manifesta o horror do fato.
Guernica faz da imaginação realidade,
Enquanto o real fica fora da inspiração.

Guernica é o nosso quotidiano mistificado
Pela sobrevivência envolta em fantasia.
São os militantes apelos midiáticos
Que fazem de Guernica uma constante.

A permanência como um dado de fato,
Transforma-se em determinação psicológica.
Aquela uma materialidade concreta,
Mudando a essencialidade da psique.

Guernica embora esteja em nós, intimamente,
É urgente livrarmo-nos dela constantemente.
É preciso que Guernica fique na história
Para ser superada dia a dia de nossa memória.

Pintura em tela. Guernica de Pablo Picasso

domingo, 27 de fevereiro de 2011

A cabeleira de Beethoven

A cabeleira de Beethoven
(A Marcantonio)
Wellington Trotta

O peso da vida recai sobre ombros métricos.
Assim como Atlas carrega a Terra sobre os seus,
Beethoven expressa nossas angústias em versos
De uma melodia universal sem par, nos seus.

A diferença de um bigode para uma cabeleira,
É que esta demonstra um vigor leonino,
Enquanto aquele um ornamento ressentido.
Mais uma vez a música se sobressai à filosofia.

A sétima sinfonia desperta-nos para uma dança
Cujo primeiro movimento tem lentos passos
De um bailado reflexivo sob sons campestres,
Contrário da quinta sinfonia pela explosão de sentidos.

Beethoven é o mago dos sons escondidos sob sua cabeleira.
Profeta, pronuncia um novo mundo, solapando des-harmonias.
Filósofo, porque reflexivamente remete-nos ao eu
Sem despojá-lo de sua originalidade política.

A cabeleira de Beethoven é um desleixo qualquer,
Um bigode, e bem feito, é a perda da espontaneidade,
Requinte desnecessário de quem toma a essência pelo acidente.
A cabeleira é a solidez pesada da terceira sinfonia.

Nela o maestro rompe músicossocialmente com padrões
Cuja música ainda não atingira à condição de arte 
Em que a reflexão só pertencia à poesia e à pintura.
Beethoven transporta-nos do som ao conceito.

A oitava sinfonia, desconhecida da maioria, porém linda,
Aponta para novas etapas da harmonia que surda,
É ouvida na nona mais, absurdamente.
A cabeleira de Beethoven esmaga o quotidiano.

Beethoven é a sua própria cabeleira juvenil,
Embora o tempo a tenha consumido, como sempre o faz,
A quarta sinfonia como alegria da liberdade
Convida-nos ao canto da ciranda como superação.

Mais uma vez o poeta-filósofo da música alenta
Nossas almas com suas dores sem o ressentimento
Do sofrimento que enrijece as convicções,
Ao mesmo tempo em que flexiona as opiniões.

Beethoven é sua própria segunda sinfonia,
Nela há jovialidade, um misto ardente
De tempestade-ímpeto devastador
Onde a melodia é a síntese do verso-forma.

Beethoven é melodiosidade vivificada na surdez
Pela majestade dos seus quartetos cuja liberdade,
Majestaticamente irmana-se à igualdade:
É a música sob préstimos revolucionários.
  



quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Elucubrações

                                                                           Elucubrações

Wellington Trotta

Um minuto de silêncio em respeito
ao homem que sofre.
Nele reside o porvir e a liberdade;
respeitemos o seu sofrimento,
sua dor e seu tormento,
pois são prelúdios da dignidade
única, lúcida e profunda.
Deixemos que a vida o alimente,
porque de nós ele nada espera,
e quando muito o faz,
solicita-nos paz.
Nesse ser onde a solidão
é celeiro de idéias,
nasce a voz da paixão
pela vida, pelo humano,
No entanto, seu pensamento
é prece, luz, convicção!
Por isso traz o fardo
da massa sobre seus ombros,
assegurando novidades,
propalando-as conscientemente.
Nele as forças do universo
convergem-se ansiosamente,
expressando os princípios da existência.
Seu canto é dor
e a vida sabe disso,
mas nem por isso
abate-se, nisso
entoa o hino beethoveniano
e a esperança o acalenta
beijando-lhe a face.
O homem que sofre
é a consciência do mundo,
valor histórico, conceito ético,
ação universal.
Sua dor é a segurança do progresso
via de ascensões múltiplass .
Todo homem sofre, porém,
somente o sábio tem ciência
da dor em sua essência.
Conhece os mecanismos,
seus objetivos e dissabores.
O homem que sofre,
enquanto herói, é enérgico,
sufoca as vicissitudes
de tempos em tempos.
Quando santo, o homem sofrido
dirigi-se ao próximo
enxugando-lhe as lágrimas,
bebendo-as como suas.
 Poeta, ele, liricamente, pela síntese
demonstra o céu dando vida
as pedras fazendo o mar
soneto da natureza.
Músico, traduz a dinâmica
do universo em letras sinfônicas.
Filósofo, enquanto mão estendida
à compreensão anímica
é a lança do futuro
como prosador do desejo,
livre e humanamente elucubrante.
É nessa espécie de homem
que repassa a dura missão do ideal.
Silêncio!
Esse homem é mestre,
abraça a adversidade,
e faz dela sua companheira,
instruindo-nos noutra visão
mais próxima do abstrato.
Esse homem é ser
tirando-nos do não-ser,
proomovendo revolução
assumida como centro da vida.
Respeitemos esse homem
cujas chagas possibilitam
a igualdade como realidade.
Um minuto de silêncio:
eis o homem que sofre.
seus sonhos e utopias
constituem a dignidade,
estrutura a liberdade
e salva crianças.
Perdão pelo homem que sofre.


 


quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Estou com medo

Estou com medo...
Wellington Trotta.

da multidão,
Ela sufoca-me, subtraindo
Tudo o que ainda há  de bom
Em mim, aos poucos esvaindo-me.

Estou com medo do inesperado
Anunciar o meu destino, sinfonicamente,
Com timbales avisando a hora
Em que o som majestático prenuncia.

Estou com medo da perda dos sentidos,
Única dimensão humano-animal
Que supre a vida de significados
Mesmo que a razão os modere.

Estou com medo do avanço farmacológico
Em detrimento das elucubrações freudianas,
Muito mais fantásticas e menos dependentes
Das pílulas de asma absorventes.
  
Estou com medo de parecer louco,
Maníaco-depressivo-compulsivo
Exagerado sem ao menos ser,
E perder a razão para o tarja preta.

Estou com medo de assumir a compulsividade
Que leva a escrever palavras desconectadas
Da realidade poética em favor da estultícia
Pseudo-ensaística revestida de filosofês.

Estou com medo do ridículo nas ruas
Refugiando-me no abrigo do lar,
Sob a suposta proteção de um copo
D’água com um veneno qualquer.

Estou com medo em pedir socorro
Aos novos doentes como eu,
Limitados em si e longe da sanidade;
É horrível contratar a insanidade.

Estou com medo de ser o que não-sou
E não-ser o que tenho que parecer;
Preciso de ajuda, e muita, mas de quem?
Todos estão doentes como eu estou!

Estou com medo, mas muito mesmo
De saber que sou incurável, caminhando
Para velhice entupido de remédios.
Não sei se, nesse caso, a morte seria heróica?!

Estou com medo de toda ajuda
Vinda daqui, dali ou de onde for.
Suspeito de tudo que se diz normal,
Desconfio da sombra que me persegue.

Estou com medo de ir para onde
O distante seja o fundo de um poço
De hora em hora com goles d’água
Em que o veneno dissolve-se.

Estou com medo de uma palavra qualquer
Que pareça dizer tudo, não dizendo nada
Absolutamente nada ao quadrado de si.
Estou tão confuso como um Hegel no RJ.

Estou com medo do receio do nada em tudo,
Dívidas com o passado de um pagamento futuro,
São débitos passados-presentes de lucros cessantes
Cujos prejudicados são os afetados por minha ânsia.

Estou com medo da turba,
Estou com medo do inusitado,
Estou com medo de perder as sensações,
Estou com medo do avanço tecnológico,
Estou com medo de parecer estúpido,
Estou com medo de assumir as compulsões,
Estou com medo do ridículo das fobias,
Estou com medo em pedir socorro,
Estou com medo de ser o não-ser,
Estou com medo, mas muito mesmo!
Estou com medo de toda ajuda,
Estou com medo de ir para onde,
Estou com medo de uma palavra tola,
Estou com medo do receio do nada em tudo...

Como dizia Drummond
do alto de sua badedoria::
Minhas mãos estão sujas,
a água está podre.